quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

LADO B

LADO B

Aquela ansiedade estava desequilibrando sua rotina. Como uma força de vontade própria, não tinha mais paz em sua casa. Não parava de comer. TV, computador, violão. Queria um trabalho. Dinheiro não tinha, pensar em mulheres estava fora de cogitação. Queria uma distração, mas o que fazer?
As opções sempre se resumiam a arte. Mas que arte sobrevive sem uma vida por trás da arte? Precisava de vida e pra isso de dinheiro. Sem dinheiro, não saia e resumia sua ansiedade em ficar ansioso dentro de casa.
Dinheiro para o transporte até que tinha. Poderia se deslocar até uma exposição. Parou, pensou. Mas pegar dois ônibus, ter o risco de pegar o rush, nem pensar. Estava com preguiça. Preguiça e tédio de ficar em casa. Ligou para um amigo para ver se pagaria uma cerveja, nada.
Foi então que lembrou que tinha meio litro de cachaça. Não teve duvida. Ligou para seu amigo convidando para tomar uma batida antes do show de graça que teria mais tarde do lado de sua casa.

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“Há tanto tempo ando pelas beiradas me equilibrando no meio fio, que dá vontade de beber e beber até o dia amanhecer. E a saudade que sinto no peito se mistura com os amigos que faço na noite, que duram temporadas como duram os bares por onde passo à noite. E é essa névoa que carrego nos sonhos, antes que me desperto, dos outros caminhos que tanto evitei. Tenho medo de olhar e me ver caminhando, ver um velho dançando e assoviando, acordando os domingos enquanto todos estavam lutando. Essa luta de cruz, que respeito tanto, mas que nunca tive coragem de me crucificar.”

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Quando criança, sobre o quintal de sua casa, Renê olhava o varal e as roupas penduradas sob o sol e quando olhava algum pregador ali no chão, pensava: ‘’devo guardá-lo ou deixá-lo como está?’’. E por mais ridículo que pareça, perdia minutos inteiros em questões tão abstratas como esta. A questão parecia ampla, deveria deixar as coisas seguirem um rumo sem sua presença, ou faria diferença seu ato de organizar a vida a sua volta?
Se sentia único no mundo, mas mais que isso, não tinha certeza de que existia de fato um mundo além de seus olhos. Um dia, passeando com seu pai pela praia, perguntou: ‘’pai, a vida é um sonho?’’. Seu pai curioso disse: __‘’Por quê?’’ __‘’Parece que estou sempre sonhando.’’
As coisas apareciam à sua frente e começou a senti-las como frutos de sua própria imaginação...
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A lua entrou pela janela junto com o frescor da noite. Deitado no sofá a vida parecia tão boa que nada lhe via a mente. Sua ex-mulher não lhe interessava mais e isso o aliviava. Não tinha novas pretendentes, mesmo assim queria dormir só. Aquela cama de solteiro era muito estreita para dormir junto. Não se arrependia de dividi-la diversas vezes, mas hoje queria dormir só. Não iria pra cama correndo, antes sairia à noite, veria o que tinha a oferecer. Mas estava feliz assim.

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Ele fixava os olhos arregalados em meio a tanta beleza da paisagem. A lua no topo destacando a noite. Contornando as casas, uma grande nuvem branca. Luzes de quartos que acendiam como vagalumes. Mais abaixo a silhueta escura da arvore do vizinho, em seguida sua casa iluminada com a luz de fora. Tudo era impressionante, estar ali no seu quintal, precisava registrar aquela imagem. Sem nada nas mãos, tudo que levaria era a imagem em sua memória.

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“Eu tinha um endereço na mão, um beijo na memória e os pés acelerados. No caminho me perdi, pessoas fui encontrando, meus pés repousaram em várias casas que ia a pé. Sentada ali no canto, vi minha alma, do outro lado. Contamos causos um pro outro, e quando a tarde caia nos reclinamos ao primeiro beijo, que sem demora e atropelos nos deitaram na cama. No dia seguinte saí. Com um endereço pra voltar, um beijo na memória e os pés acelerados.”

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O homem fecha o facebook e vai para cozinha para comer alguma coisa. Abre a geladeira e vê as mesmas comidas que já não queria comer no dia anterior. Volta para o facebook, abre o bate-papo e fica ali em silêncio.

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Naquela casa era sempre noite, mesmo de dia. Ficava numa esquina, e quem passasse por ela sentia uma tristeza tão grande, que se esquecia de onde ia. Ali o tempo não passava, passava, mas parecia eterno. Quem passa por essa esquina, nunca esquece, daquela casa fria.

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Ele procurava criar algo novo em sua arte. Algo que fizesse uma pequena revolução, como seu pai dizia que o faria quando ainda era um adolescente. Sua vida parecia engessada. Por mais que se esforçasse em sua arte, sempre voltava à mesma sensação de que não chegara a lugar algum. Então, num dia qualquer, desligou o computador e passou pela cozinha, onde de soslaio, viu a bolsa preta como se fosse um gato.
Estava ali sua inspiração. Na escrivaninha começou a desenhar, e um desenho o assombrou. Uma cortina que parecia ter contornos humanos minutos antes de dormir.
Ainda acordado, mas de olhos fechados, sentiu seu colchão afundando como por um peso de pegadas de um gato em sua cama. Nada aflito, mas curioso, ficou acordado durante dezenas de minutos que lhe tiraram o sono.
Noites se seguiam e o que parecia ser um início para sua arte, se tornara mais um obstáculo rotineiro antes de dormir.

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“Não carrego o mundo nas costas, tenho ainda muito brilho nos olhos, talvez menos do que quando vivia louco, mas para realizar muita coisa nesse mundo. Sou viajante, mesmo parado, às vezes me perco num simples significado, mas ainda gosto de sonhar, dormindo ou acordado.”

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De repente lhe bateu um cansaço, lembrar aquelas histórias tristes, indignas, e lembrar que somos rasos e rastejantes, todos, mesmo os Deuses. Perdido, era só um pobre diabo. Então subiu aquela escada. Ali, onde tudo era claro e organizado, como são os manicômios, foi falar com Deus, com quem discutiu, brigou, descendo a escadaria dizendo que nunca mais voltaria e nunca mais fez as pazes.

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Tem dia que nem folha em branco é. É do tipo que tirou férias mesmo antes de arrumar emprego, nem isso. É algo que ninguém notou nem vai notar, é uma típica segunda-feira.

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Passada sua loucura, podia enfim curtir tomar sol no quintal sem se preocupar com nada. Claro que sua mente continuava ativa, mais do que uma pessoa normal. Pensamentos aos quais se repremia eram abatidos por novos pensamentos bons e coincidentemente sentia pingos caindo debaixo das árvores nessa hora, que antes acreditava ser um sinal religioso e hoje racionalizava. Nesse instante passava um avião, que pelo som, em tempos de surto, sentia como se estivesse passando de fase, como num videogame. Após os trinta segundos, sabendo de todas as impressões equivocadas, mas ainda assim não podendo se ausentar delas, pensou: Como é bom ter uma vida novamente.

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“Olhando para parede, nas formas e sombras, diversos seres, todos sem olhos. Escrevi uma carta para minha ex-mulher, dizendo o quanto a amava, de como não tinha a esquecido, e brotaram lagrimas do meu rosto. Quando voltei a olhar a parede seres de diversos tamanhos olhavam para mim.”

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O amor estava vindo. Fonte de luz e energia, crescia como uma bola de gelo. Mas o mau humor, o ressentimento e o rancor pausavam constantemente o processo. Como poderia amar incondicionalmente, se o que sentia por dentro era um grande nojo pela humanidade? Mas o pior é que sabia que fazia parte daquele asco. Sua condição humana, justamente o denunciava, deixando um enigma para ele mesmo. Como amar além do que já amava?

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Tão controverso como suas palavras era sua vida. Fugia de ideias ruins apressando o passo pelas ruas. Naquele dia os semáforos descontentes atrapalhavam sua ida de volta para casa.
Se achava preso por livros, frases e palavras que não lhe diziam nada. ‘’Ah, que saudade de surtar’’ pensava agora em seu jardim.
Sua gata o acompanhava lentamente, preguiçosa como ele, e ele pensava: ‘’Nem tu, selvagem!’’. As coisas esfarelavam enquanto tomava sol.
Não ligava mais de terminar as coisas, achava isso uma doença. Queria curtir a vida, mesmo sem dinheiro ou namorada.
Então voltou a olhar sua gata ali deitada, e disse: “O que será de mim?”.

sábado, 13 de julho de 2013

O Rei e o Jovem

O rei, nas horas vagas, tinha como passa tempo predileto, passear em seu jardim, observando a flora, os lagos e os pássaros que ali moravam. Com o tempo, percebeu que apareciam cada vez mais pássaros mortos em seu gramado. Um ano depois, os guardas encontraram um jovem de estilingue a beira de seu jardim. O jovem foi levado ao rei e esse disse: ‘’ a partir de agora ele cuidara de meu jardim, dos lagos e de meus pássaros’’. O jovem ficou surpreso, mas nada contente, tentando fugir diversas vezes na primeira semana. Na segunda semana, começou a regar as plantas e limpar os lagos. Na terceira semana, já reparava nos diferentes tipos de flores e em cada canto de pássaro. Na quarta semana, o jovem achava uma delícia ficar cuidando daquele jardim, podendo descansar em seu gramado e prestar atenção no canto dos pássaros. Foi aí que apareceu o rei e disse: ‘’pronto! Podem tira-lo daqui, ele já aprendeu o que devia’’ e o expulsaram da-li. Dizem que o jovem ficou tão puto, mas tão puto, que até hoje quando o rei passeia em seu jardim, vê pedras voando, que ninguém sabe de onde vem.

sexta-feira, 17 de maio de 2013

O Espelho de Dorian

Havia um meio choro dentro dele que não conseguia expressar. Era um tipo de constatação de um defeito que não podia corrigir. Talvez as novas ações sim, mas o passado não poderia mudar.

Então se viu feio no espelho. Não era algo visível, era algo interno. Talvez só uma má impressão. Era uma espécie de retrato de Dorian Gray ali ao vivo.

Isso o assustou e tentou fazer o possível para contornar a situação reafirmando para si que era uma pessoa boa.

Mas a impressão não passou. Teve que escrever uma carta sobre si e dentro dela um ser que parecia com ele. Essa busca dele mesmo sempre criava novos personagens, que a partir tomavam vida própria.

Mergulhado em palavras logo não mais se lembrava de seu monstro, que ficara guardado páginas atrás.

quinta-feira, 25 de abril de 2013

AO CAIR A MOEDA- Renê Paulauskas

Ao cair a moeda o medo de se tornar como seu amigo, naquele quarto sujo cheio de moedas espalhadas pelo chão como se não tivessem valor. Um segundo antes se orgulhara, queria ser como ele, gostava dele, mas não aquilo da desordem, disso queria longe.

Sentado ali, de frente pro mar, olhando as gaivotas sobrevoarem o farol dentro de sua imaginação, sentado a noite em seu quintal. Quando estava com a cabeça longe ficava mais bonito; acho isso porque as moças o olhavam nessas horas. Estava descobrindo algo novo. Acho que era que não precisava fazer nada, mas que tudo estava ligado. Longe de ser, pensava no que poderia tímido.

‘’Eu queria ser azul, pra não existir nesse mundo’’. Pensou varias vezes, até o mundo se impor devagarinho, como uma gorda que vai te conquistando aos poucos, dando doces de um em um, até sentir que já não vivia o inferno, que existia para cada dia bom, um ruim e quando aceitou, veio o lugar onde podia viver um dia bom com outro bom e assim. As vezes recaia com medo de perder os pés do chão.

Imagens são só imagens. As coisas eram como o rabo de seu gato, as vezes preto, as vezes peludo ou carinhoso. A tênue medida, que não carregava emoção de mais nem ficava oca, era a medida para realizar o mundo. Longe de ser normal, era louco, mas sabia como viver normalmente. Isso o deixou feliz.

‘’Que coisas aquelas que vi aquele dia?’’ era o mundo, banal e traiçoeiro, prestes a se tornar medíocre, mas ainda surpreendente. Pensar sobre tais assuntos lhe dava dor de cabeça, preferia voltar ao seu mundo. A chuva cobrindo a casa lhe dava paz.

Tinha medo de retratos, como índios aos espelhos. Sua coragem era pequena perto de um mundo tão grande, então ignorava o mundo e o engolia e o vomitava. Dali nasciam brotos que depois de dormir e acordar, lembrava em si coisas que ignorava, digeria o universo rapidamente.

Então ligou para seu amigo e esse sorriu como quem engana o mundo pela milésima vez: ‘’sim, estou ótimo’’.

O HOMEM E SUA GATA- Renê Paulauskas

Tão controverso como suas palavras era sua vida. Fugia de ideias ruins apressando o passo pelas ruas. Naquele dia os semáforos descontentes atrapalhavam sua ida de volta para casa.

Se achava preso por livros, frases e palavras que não lhe diziam nada. ‘’Ah, que saudade de surtar’’ pensava agora em seu jardim.

Sua gata o acompanhava lentamente, preguiçosa como ele, e ele pensava: ‘’Nem tu, selvagem!’’. As coisas esfarelavam enquanto tomava sol.

Não ligava mais de terminar as coisas, achava isso uma doença. Queria curtir a vida, mesmo sem dinheiro ou namorada.

Então voltou a olhar sua gata ali deitada. ’’Que tantos atrasos, atropelos e desastres te deixaram aqui, que seus filhos todos fugiram de casa? Ou foi somente a água, a comida e a sombra que te tiraram a ânsia? Justo você que nasceu na rua. Você a mais selvagem da família veio aqui ter seu fim? Não te culpo. Tens de tudo. Sou eu a tua família. Mas se você que é selvagem terminou assim, o que será de mim?’’.

quarta-feira, 28 de novembro de 2012

Mundo de espelhos

Estou piorando de novo. Não vejo mais as coisas, só vejo eu. É assim que um louco vive. Num mundo cheio de espelhos, sem conseguir enxergar nada atrás. Preciso descer ao mundo, tocar os pés no chão. Mas as brumas tapam meus sentidos. E sonho num sonho de adormecido.

As coisas que expresso, não são deste mundo. Interrogam-me sobre meus gestos desconexos, digo que fadas e borboletas povoam o céu naquele momento. Mas só há borboletas, nem tantas assim. Mas com pena de mim, me deixam no parque a vontade.

Onde estão os sorrisos benditos, que vejo de olhos vendados? Os gestos amigos de irmãos, na imaginação. É segredo espiar. Por trás de uma fechadura, povoa um mundo traiçoeiro. Eu de tanto espiar, fechei meu coração. Pintei de branco, manchas de sangue da desilusão.

Meu mundo agora é viver nesse cantinho, pintado por mim de cores vivas, por onde passeiam os olhos e a imaginação.

Quem sabe um dia eu volte, forte, astuto e profundo, possível de inventar mais felicidade no mundo.Por enquanto, encerrei o assunto.

terça-feira, 27 de novembro de 2012

Sistema penal brasileiro

Ao descobrirmos que fomos roubados por alguém, a primeira coisa que sentimos é raiva. Sermos roubados por alguém, significa ser prejudicado pela pessoa que cometeu o crime. Ao crime, estabelecemos punições, ao criminoso que seja punido.

No Brasil, só vai para cadeia, pessoas que não tem acesso a advogados. Criminosos que tem dinheiro, contratam bons advogados e na maioria conseguem responder ao processo em liberdade. O que transforma o sistema penal brasileiro num depósito de marginais que mesmo após terem chegado a prisão por pequenos delitos, aprendem e evoluem criminalmente, voltando a sociedade com alta periculosidade.

O sistema de punição não diferencia um assassino de um ladrão de mercado, importando somente se o criminoso tem como contratar bons advogados para defende-lo ou ser abandonado, punido e esquecido pelo sistema, como depósito de carga ao sistema prisional falido.

A enorme desigualdade social entre a maioria miserável e a milionésima parte milionária, faz aumentar a criminalidade que varia entre crimes como pequenos furtos para a subsistência até grandes sequestros bem planejados.

Diante do caos a única opção inteligente é a mudança penal para pequenos crimes, como furtos, pequenos tráficos em troca de drogas, em liberdade, com a pena de cumprir serviços comunitários, como já é feita para toda a classe média.

Estender esse pequeno serviço às classes baixas se faz mais do que necessário para a diminuição da criminalidade e economiza dos cofres públicos com um sistema prisional que só se faz útil para o desenvolvimento progressivo de técnicas e planejamento criminal contra o estado e a sociedade civil. É dever do Estado proteger a sociedade da criminalidade, estendendo a população sem recursos financeiros para contratar um advogado, essa prestação de serviço, protegendo a sociedade de um agravante da criminalidade beneficiado pelo próprio Estado.